Por Beatriz Helena Martins de Almeida*
A disposição a acolher é a condição de quem acompanha. Receber o outro que vem ao encontro (…); abrir a porta, dar-lhe boas vindas e oferecer hospedagem (…); acolhida a isso que é outro, que emerge sempre de forma disforme, disruptiva e desestabilizadora; dar habitação ao novo mesmo que não possua nome, identidade, credenciais ou rosto para se apresentar. Pois, de qualquer forma, não é assim a natureza de tudo que é novo, de tudo que surge no justo momento de seu surgimento, em sua origem? (…)
Acompanhar na clínica terá dessa forma, o sentido de colocar-se ao lado. Partir em caminhada ao lado do que surge enquanto outro, novo, desconhecido, devir. Devir-outro. (…) Colocar-se ao lado traçando pequenas linhas, dando consistência a pequenas percepções, para que daí um trajeto surja no próprio ato de percorrê-lo e que a cada passo se diferencie de si mesmo se tornando sempre um outro. (Araújo, 2006, p. 137)
O acompanhamento terapêutico surgiu no âmbito da Reforma Psiquiátrica na Europa como alternativa de tratamento da loucura, muito embora sua origem institucional localize-se na Argentina como amigo qualificado no final da década de 70. O acompanhante terapêutico é oriundo do auxiliar psiquiátrico e do agente comunitário que foram influenciados pela psicanálise, pela análise institucional e pela esquizoanálise no pós-guerra, e buscaram romper com as práticas asilares e segregativas dos manicômios.
O setting do acompanhamento terapêutico é ampliado para fora dos muros institucionais de tratamento. Acontece fora dos hospitais e dos consultórios. Do mesmo modo a frequência e a duração dos atendimentos também podem ser ampliados de acordo com o projeto terapêutico, constituindo o que se denomina clínica ampliada.
O acompanhante terapêutico dedica-se ao cuidado de pessoas cujo sofrimento, agudo ou crônico, justifique intervenções em suas atividades cotidianas nos espaços públicos e privados, acompanhando os sujeitos onde necessitem de apoio, visando a sustentação dos laços sociais.
Os acompanhantes terapêuticos trabalham em rede com os profissionais que se ocupam do cuidado do paciente, estabelecendo pontes entre o sujeito acompanhado, a família e os outros profissionais, na sustentação de projetos terapêuticos singulares.
Embora o acompanhamento terapêutico tenha se originado como tratamento alternativo para pacientes psiquiátricos, com o tempo, esse dispositivo clínico foi se alargando para o atendimento de idosos, menores de rua, pacientes terminais, pessoas que sofreram AVC, em casos de inclusão escolar etc. Observa-se neste público a marca da exclusão social, total, parcial ou temporária, o que nos deixa pressentir que são casos em que há um constrangimento desses sujeitos em relação ao laço social.
Por essas características, de se constituir como uma clínica do cotidiano, com circulação pelo espaço extra-muros, com o enquadre ampliado, a sustentação de um trabalho em rede com outros profissionais e a ética da psicanálise, o acompanhamento terapêutico vem se mostrando extremamente eficaz como aliado na resolução de casos complexos e delicados no âmbito da Justiça, especialmente nas varas de família.
Quando pensamos a clínica como acontecimento, os saberes perdem seus estados endurecidos de verdades e começam a entrar em uma região móvel onde se desestabilizam, permitindo que algo possa ser criado, com uma nova linguagem, com novos conceitos e novas formas de experimentar o mundo. Nessa região, onde os saberes perdem o caráter dogmático de verdades seguras, passamos a lidar com uma velocidade onde a vida usa o conhecimento como forma de se auto produzir, criando ao mesmo tempo derivas para esses conhecimentos. Essa desestabilização nos deixa entrever, pelos órgãos da intuição, a clínica como acontecimento. (Araújo, 2006, p. 182)
Bibliografia
Almeida, B. H. M., Clínica na rua Acompanhamento Terapêutico e Psicanálise. In Rede Clínica,
SP:
Ed.
Escuta/FCL-SP, 2016.
Araújo, F., Um passeio esquilo pelo Acompanhamento Terapêutico - dos especialismos à política
da
amizade, Niterói, RJ: 2006.
Beatriz é psicóloga e psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (IF EPFCL) e do Fórum do Campo Lacaniano em São Paulo (FCL- SP). Coordenadora, professora e supervisora clínica do Curso de Formação em Acompanhamento Terapêutico do Instituto A Casa (São Paulo). Fundou a "Equipe Nós", de acompanhamento terapêutico. Supervisora clínica de acompanhantes terapêuticos que acompanham famílias no Centro de Visitação Assistida do Tribunal da Justiça CEVAT (São Paulo, SP, 2016).
A estrutura de gestão é formada por diretoria executiva e conselho fiscal e consultivo.
Diretoria
Cassiano Ricardo de Paula Campos - diretor presidente
Vagner Mendes Bernardo – diretor vice-presidente
Felipe Ragusa - diretor financeiro
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